Você sabe a raiz quadrada de 386? Lembra como se dividia as capitanias Hereditárias? Foram com essas e outras perguntas similares- que nos assombram desde a época da escola- que José Pacheco iniciou sua palestra sobre educação, há algumas semanas, no Sesc Tijuca.
José Pacheco é educador, escritor, de origem portuguesa, tido por muitos como uma inspiração. Reconhecido pelo seu pioneirismo na criação da Escola da Ponte, um ambiente de ensino diferenciado, que incentiva a autonomia, liberdade, responsabilidade e solidariedade entre os alunos, acredita que a educação tradicional precisa ser revista e atualizada.
“Em uma aula não se aprende nada e prova não se prova nada”
Os modelos atuais de educação não incentivam o questionamento, segundo ele mesmo diz, “quem quer inovar deve ter mais interrogações que certezas”, e nossa sociedade, certamente, está necessitada de pensadores, mentes inovadoras, que busquem e construam soluções para os problemas que enfrentamos diariamente na vida- em todos os seus setores- então, é preciso mudar.
Na palestra ele cita que as bibliotecas das escolas, normalmente, são utilizadas como local de castigo ou soneca. Verdade! Não existe interesse pelo aprendizado, grande parte dos nossos educadores não estão preparados para inspirar. Nossas escolas foram engolidas pela burocracia, métodos ultrapassados e regras que não visam o crescimento e construção de um ser humano, de um cidadão.
Na Escola da Ponte não existem séries, ciclos, turmas, anos, provas e aulas. Os alunos se agrupam de acordo com os interesses comuns para desenvolver projetos de pesquisa. Também realizam estudos individuais, que depois são compartilhados com os colegas.
Os orientadores educativos reúnem-se com os alunos para planejar o que vão fazer coletiva e individualmente e, a partir desse plano, cada um, traça diariamente as suas tarefas. Isto implica numa maior participação, autonomia e co-responsabilização de todos os envolvidos.
Isso sim é trazer a realidade para a escola, ensaiar a vida, trabalhar com o interesse das crianças, instigar o pensar e consequentemente transformar, ensinar e fazê-las querer aprender.
Confiram uma breve entrevista que tivemos o prazer de fazer com o Professor José Pacheco:
O Sr. iniciou seu trabalho com a escola da Ponte em 76. Hoje em dia tem contato com algum aluno da época? Como levam suas vidas hoje em dia? Tem alguma história interessante para contar?
Mantenho contato com muitos alunos. São amigos. Acontece encontro presencial, quando vou a Portugal. Encontro-os até no Brasil… São seres humanos que refletem nas suas vidas os valores que vivenciaram na Ponte e na comunidade que a Ponte ajudou a criar. Muitas histórias poderia contar. Muitas delas estão escritas nos meus livros…
Que tipo de adultos a Ponte tem a intenção de ajudar a formar?
Mais do que a intenção, a Ponte tem a prática de ajudar a transformar seres humanos, com referência a uma matriz axiológica, que traduz o seu conceito de pessoa e de sociedade. Os adultos, que passaram pelo projeto são pessoas bem integradas socialmente e cultivam no seu quotidiano a solidariedade, a responsabilidade, a autonomia.
O senhor acredita que há alguma diferenciação entre alunos da Ponte para alunos de escolas tradicionais? Quais seriam e porque isso acontece?
É evidente que há e ela está presente em muitos dos estudos e avaliações realizadas na Ponte. Por respeito a outras práticas, não enunciarei tais diferenças.
O Sr. afirmou na sua palestra que “Em uma aula não se aprende nada” e que “Prova não prova nada”. Como explicaria essas afirmações para as escolas e pais tradicionais?
Como expliquei no encontro desta manhã e em milhares de encontros, ao longo dos últimos quarenta anos. Recorro a uma comunicação dialógica e a um código restrito, que torna acessível a qualquer pessoa inteligente e bondosa (como são os pais e os professores) a compreensão. É extremamente simples. Mas, por vezes, “chocante”…
Qual o real papel de um professor?
São vários os papéis. Darei alguns exemplos. O professor não existe para preparar projetos PARA, mas para construir projetos COM. Não deve fazer planejamento de aula (que é inútil), mas ajudar o outro a planejar-se (saber gerir tempos, recursos etc.) e assegurar mediação pedagógica. Insistindo em maniqueísmos, diria que deverá uma cultura individualista, abandonar a solidão de uma sala de aula, para trabalhar em equipe, com referência a um verdadeiro projeto.
Como o senhor vê o método de ensino tradicional das escolas Brasileiras?
Esse “método” continua a produzir ignorância e sofrimento, trinta milhões de analfabetos, desperdício de bilhões de reais e de gente. Predomina nas escolas uma cultura assente na competição desenfreada, na ausência de trabalho em equipe. Nas decisões de política educativa, prevalece o discurso de economistas, engenheiros, técnicos de informática, jornalistas, gestores, diretores de marketing, ex-ministros, empresários, tudo gente de boa vontade, mas desprovida de conhecimento pedagógico. A racionalidade técnico-instrumental pontifica nos eventos onde aqueles que a média classifica de “especialistas” produzem “aulas magnas” e os pedagogos são minoria quase ostracizada.
Como o senhor pensa que as escolas serão no futuro?
Não penso. Ajudo a construir. Sei que novas construções sociais, que substituirão o velho modelo, estão a tomar forma e faço a minha parte nesse processo.
A educação pode realmente mudar o mundo?
Como diria o mestre Freire, a educação muda as pessoas e as pessoas mudam o mundo… Nisso acredito.
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Até a próxima!
Equipe Sustentarte